Como nasce e morre um jornalista – Parte I

Quando criança sonhava escrever em jornais. Mesmo sem saber, minha mãe alimentava essa fantasia trazendo para casa jornais de um açougue da vizinhança.

No pequeno povoado, onde nasci e cresci, a carne era embrulhada em jornais velhos, rasgados na hora da compra, em cima de um enorme balcão de madeira. A prática não se consolidou pelo aparecimento de leis de vigilância sanitária e pelo progresso que não tardou em descobrir o lugar. Mas os jornais coloridos de tinta e sangue, repletos de notícias inacabadas, acabaram por determinar a minha profissão.

O primeiro jornal que produzi foi o Informativo Córrego Fundo, órgão oficial de comunicação da prefeitura. O setor de comunicação mal existia. Não havia computador onde digitar as matérias e as fotos eram legendadas com fita crepe. Só depois de um tempo fui descobrindo os caminhos que as palavras tomavam até chegar ao leitor.

Tão grande como a minha euforia na infância, ao desembrulhar velhos jornais de açougue, foi a minha alegria em descobrir novos leitores.

Estavam por toda parte. Colegas de trabalho esperavam o jornal chegar no ônibus para ler as notícias em primeira mão.

Outros pediam mais um exemplar para levar para o pai ou algum conhecido. A neta falava da avó que não perdia uma edição do periódico e pessoas pediam para serem incluídas na lista dos que recebiam o informativo.

Uma das mais belas surpresas que tive na época ocorreu em Falhas, uma pequena comunidade do lugar. Em uma das visitas que realizava a serviço da Comunicação da prefeitura, conheci Janice, uma moça que trabalhava no posto de saúde.

Com os jornais que eu enviava todos os meses Janice construiu um mural. Como eram poucos exemplares, ela os fixava todos na parede para que as pessoas pudessem ler. Cuidadosa, colocava frente e verso de cada edição e os substituía, à medida em que novos números chegavam.

A lembrança do gesto de Janice é uma aragem na luta árdua e diária de reproduzir notícias.

Não é fácil ser jornalista, no mundo. No de hoje e no de qualquer tempo.

Tal qual o Quasímodo, de Peter Medak (The Hunchback-1997), espalhamos nossos panfletos a nosso modo. E utilizamos a prensa que temos, em oposição a uns poucos, pela construção da democracia e do conhecimento.

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